terça-feira, 16 de março de 2010

A COISA NO JARDIM ZOOLÓGICO - POR HENRY EVARISTO


O que vou contar é breve, mas deveras singular. O ocorrido se deu no interior do zoológico municipal de minha pequena cidade. Eu estava lá, sozinho.


Naquele dia resolvi que gostaria muito de poder explorar as trilhas selvagens que se estendiam ao redor do parque. Eram como trajetos postos à disposição do público para que ele pudesse, ao mesmo tempo, experimentar o contato direto com a natureza e se exercitar praticando caminhadas saudáveis. Em verdade, o lugar era também um centro cultural onde ocorriam apresentações musicais, mostras de teatro, artes plásticas, cinema e, logicamente, a exposição de animais de faunas variadas em jaulas espalhadas ao longo das trilhas que adentravam o terreno e iam findar muitos quilômetros adiante, numa área de fazendas e matadouros.No dia 21 de abril de 1990 eu não saí do interior do parque antes que ele fechasse. Fiquei vagando pelas trilhas; refletindo sobre problemas que me absorveram tão completamente a ponto de me fazerem perder o horário. Por volta das vinte horas me vi no meio da floresta escura cercado pelo silêncio que parecia brotar da ausência de pessoas no local; e pela estranha vida que sempre se propaga pelas matas depois que escurece. Oh, só sabe do que falo aquele que já esteve em situação semelhante!As florestas, à noite, se enchem de uma vida assombrosa. Silvos medonhos se espalham pelo ar, vindos sabe-se lá de onde; galhos se partem como que pisoteados por coisas que andam em meio às trevas. E estranhas vozes parecem soar bem às suas costas, de repente, no escuro. Então, quando você se volta, aturdido, com o coração saltitando em velocidade homicida, descobre que não há nada, pelo menos não mais, além de galhos e folhas; galhos e folhas que podem muito bem esconder coisas pavorosas. Aquele que quiser realmente experimentar o horror, mergulhe, como eu fiz, numa floresta escura após o anoitecer. Não é a toa que os homens medievais acreditavam que seus bosques eram povoados por demônios carniceiros.Quando percebi a situação insólita em que me embrenhara voltei-me imediatamente na direção da saída da trilha em que estava. O imenso corredor que o caminho descortinava diante de mim encontrava-se completamente envolto pelas trevas. Ainda podia avistar, no céu, réstias de luz solar, mas não era o suficiente para proporcionar nenhum tipo de alívio para toda aquela escuridão. Pude ver algumas luzes dos postes que cobriam a extensão inicial da trilha; luzes esbranquiçadas que se projetavam para baixo como raios triangulares bem definidos. Segui nesta direção.Observei que enquanto andava, com passos realmente apressados, passavam por mim algumas jaulas que nem mesmo havia percebido quando fizera o caminho de ida. Percebi também um cheiro forte e acre que se espalhava à partir destas "gaiolas" imensas; e diminuí o ritmo de meus passos, num primeiro momento, ao ouvir um som horrível que se propagou de repente pelo ar frio da noite. Era, sem dúvida, um rosnar feroz, animalesco, ameaçador. Vinha do escuro no interior da jaula e, ao olhar fixamente para a escuridão, imediatamente avistei múltiplos pares de olhos que me fitavam avermelhados. Não sei o que me passou pela cabeça na ocasião, mas creio, hoje, depois de tantos anos, que não andava muito bem das idéias já naquele tempo. Digo isso por que, quando deveria empregar ainda mais vigor em minhas passadas em direção à saída da trilha, e sem dúvida alguma começar a gritar desde já, eu me resolvi a parar. Segurei na barra protetora que mantém os visitantes a uma distancia segura das feras aprisionadas, e fitei novamente o interior. Eram lobos! Uma cela repleta de lobos! Espécimes extraordinários, enormes e de cores que não pude discernir na escuridão. No entanto, todos estavam tão quietos, acuados a um canto de sua morada forçada. Foi somente quando me inclinei ainda mais próximo que pude perceber um outro animal lá dentro. Um outro lobo ou fosse lá o que fosse... Um animal quadrúpede que, postado aos pés das barras de ferro, me fitava com aparente animosidade. Quando o percebi, estava já com a cabeça quase encostada na proteção da jaula. E hoje fico imaginando se aquela besta tivesse enfiado as garras para fora e me agarrado pelo pescoço...Não pude ver nitidamente seu dorso, mas pelo volume escuro de sua cabeça, com certeza era um animal de grande porte, incomum eu diria, até mesmo para os lobos mais desenvolvidos.Ela não fazia movimentos. Ficava lá, parado, me observando. Enquanto isso os outros animais pareciam sofrer com sua presença. Soltavam pequenos uivos lamentosos e passavam as garras pelo chão. Mas nunca, em hipótese alguma, saiam de suas posições ousando aproximar-se da fera escura perto das grades.Resolvi seguir meu caminho. A curiosidade inicial estava novamente dando lugar ao medo de outrora. Não gostei do olhar que a coisa me lançou quando percebeu que eu começara a me afastar. E, antes de me virar para continuar a andar, a vi empreender um movimento súbito para frente e começar a se levantar. Novamente apressei o passo. Agora queria me distanciar urgentemente daquele lugar.Não avançara mais que cem metros quando ouvi um som pavoroso ás minhas costas. Não era nenhum um uivo; nem grito sobrenatural, ou rosnar dantesco, como podem estar imaginando os amigos. Eram os ruídos, os rangeres metálicos, que as grades da jaula emitiam ao serem escaladas por alguma coisa pesada que quisesse saltar para fora da morada dos lobos!Não posso descrever a sensação de pavor e de estarrecimento que experimentei quando percebi que algo havia deixado o interior escuro de onde estivera espreitando e estava agora solto na mesma trilha que eu. Mesmo assim, vendo que os postes de luz estavam agora bem mais perto, e podendo já avistar a guarita onde dois guardas assistiam TV, resolvi me virar para olhar o que quer que fosse.Primeiro vi o caminho escuro atrás de mim. Minhas vistas demoraram um pouco a enxergar aquilo que estava mais adiante. Depois vi as matas ao redor, açoitadas pelo vento e cobertas com as trevas mais densas.Depois avistei o local onde estivera, em frente à jaula dos lobos. Havia uma sombra parada lá. Uma sombra volumosa, de cerca de dois metros de altura. Sei disso por que ela estava de pé! Ereta! E olhava fixamente para o interior do lugar de onde saíra.Andei mais para adiante e parei novamente na orla entre o início da trilha e a luminosidade proporcionada pelos postes. Da guarita do portão principal saltaram os vigias correndo em minha direção.A sombra continuava lá, em sua mesma posição. Mas agora me fitava, sei que me fitava, mesmo com toda aquela escuridão... Pois seus dois olhos vermelhos faiscavam contra o reflexo das luzes brancas dos postes de iluminação!Não ouso descrever as formas da coisa. Até hoje guardei este segredo bem guardado comigo, mas nunca deixei que nenhum de meus filhos freqüentasse o jardim zoológico municipal. Na primeira oportunidade, mandei-os estudar na capital.Sei que minhas decisões foram acertadas tanto com relação a meus filhos como com relação a mim mesmo no dia fatídico. Foi minha resolução em me afastar que provavelmente me salvou pois, alguns meses depois, a comunidade de nossa pequena cidade se quedou aterrorizada por uma onda de desaparecimentos de pessoas nas imediações do zoológico.Às vezes, quando estou só, tarde da noite, e a insônia de velho não me deixa conciliar o sono, sento-me na cama e, enquanto observo minha esposa ressonar em seu oblívio inocente, me vêm à mente as palavras gritadas pelos vigias para dentro da trilha escura. Lá, onde avistaram, como eu mesmo, o animal que provavelmente devia ter aprendido como saltar para fora da jaula onde deveria viver confinado. Com certeza não foi um animal que os dois homens viram. Viram o mesmo que eu! E suas palavras me arrepiam diante das possibilidades tão aterradoras:"Senhor, venha para cá!” Eles gritaram. “O parque já está fechado!""Ai é perigoso! O senhor os está perturbando!"Também lembro de como a fera lançou um outro olhar para mim, de dentro da escuridão e depois, nos dando as costas e caminhando encurvada, desapareceu na floresta.

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